terça-feira, 27 de outubro de 2015

Quase no mar

Aqui onde faço essa poesia você não me encontrará,
e não será urgente nem definitivo,
apenas seus olhos não se deitarão sobre minhas sangrentas e esvaziadas
palavras, meu pequeno ardor e minha ferida grandiloquente.

Não nos veremos. Sua imensa e incomensurável dor estará presa em seu peito,
e você a carregará como uma cesta de flores, com o cuidado necessário para que ela continue em seu peito e não se esparrame pelas cidades.

O meu poema tão transitório, feito de gaze e sombra e guerra e das horas mais escuras do dia, o meu poema único e que te serviria como uma camisa, ele não lhe vestirá. Nós dois o perderemos, enquanto peixes no mar se servem de sal, e de ondas, e do imenso sol que perfura as águas diligentemente.


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Às vezes chove pela manhã e eu não estou tão triste. 
Parece que a chuva está cuidando de algo, como uma mãe prestimosa penteia o cabelo do filho.

No trem vejo pessoas com muletas, com chapéu, mulheres tatuadas indo ao trabalho. 
Tudo de imensa tristeza. Alguém diz mãe 
de um jeito doce, 
como se houvessem palavras maiores que outras.

O trem avança lento, a condutora anuncia : próxima estação, Paraíso.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Gravity

I can die numerous times, feel the pain piercing my chest, lose consciousness and see the film of my life with the cheap details  that (after all) make sense. I can die numerous times, say farewell, understand (finally) the meaning of this and that episode, see cups with the brown dots  of  my childhood, my father's mustache, the freckled breast of my mother, the greenblue  horizon of the  Beach House . I can die countless countless times but I can never forget the brutality of the separation from your body, slipping away with the cruelty only gravity can have.

Traquitana

O amor me define e me justifica - mas não é bom. Se tivesse uma forma (o amor) seria o mar em seu avesso. O não-azul. A não-calma. A não-placidez. Acordo ávido pelo amor. Busco no quarto. Mas ele escapa como sombra, como um fantasma de filme. Mas eu preciso buscá-lo sob pena de afundar no vazio. O amor me distrai de mim, com sua morte redonda, inflável. Me sublima do peso de ser eu. Do peso de não poder deixar, jamais, meu corpo. Ao inventá-lo, grande, implacável, infinito- ainda que caiba em mim - , eu deixo de perceber meus ossos pontiagudos, a ferida que vai me matar, o dia em que direi adeus. Por me salvar tanto, e com tanta força, o amor é de uma violência aguda. Estou em suas mãos. A minha sede justifica essa água barrenta. O barro, que sempre teve a lembrança da água cristalina. O amor me conforma, me dá um poema barato, filhos, roupas, móveis, aviões, um planeta, ou um mero pedaço de papel. Eu recebo de bom grado.- Olá, prazer em desconhecê-lo. Em supor sua inexistência, enquanto você me assombra ossos, veias, glóbulos, células, estradas tudo. Em perder-me de mim dentro das suas filigranas. Eu inventei o amor para vencer o medo primordial de cair. Tombar da terra alta. Tombar do terremoto. Tombar também da existência pequena, de olhar para o alto dos mares, para a odisséia, e estar preso em ossos e cadeados. Eu inventei o amor porque não queria, mais uma vez, me esgotar no choro sem lágrimas do desespero. O amor me aterroriza de tal maneira que digo que é bom. Que voltará. Que me salvará. Que trará, desta vez, o eterno! O amor - ah como eu quase o vejo, seus traços, seu cheiro emprestado - é uma invenção gasta, uma traquitana, uma quinquilharia, onde estão grudados todos os poemas do mundo, vestidos, dentes falsos, montanhas pequenas e pedras monstruosas. O amor me dá um dia mais. E me entope de milhares de pequenas mortes, de perdas que durarão anos, de dores agudas e terríveis, da impossibilidade dos anjos e das criaturas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Sacrificium

Pai:

Ninguém entendeu a sequência das estações.

Nem a razão descabida da  estrutura  das árvores, a seiva que sobe, a variedade tola das frutas.

Ninguém compreendeu a cor verde. Seus esgares.

O vento, ainda mais quando raspa as águas,  carece totalmentre de propósito.

O cheiro forte que os homens e mulheres exalam.

Os pés, com dedos.  Não há como termos pétalas duras, de abertura suave? As unhas, opacas, não cessam!

Pai, não inventaste ferramentas!  Deste este mundo seco ao homem.

Isso sem falar dos perigos, da falta de olhos na nuca.  O medo.

A poesia também não veio, por isso estas linhas sem propósito.

O corpo

Carregar esse corpo durante todo o caminho.

Na noite escura, carregar esse corpo.

Sem ter tido a coragem de matá-lo, carregar esse corpo 

Na noite escura, arrastá-lo com esse sorriso entre os dentes (carregar

esse corpo)  já gasto

esse corpo ( burro, cego) 

Sem poder deixá-lo de lado, carregar esse corpo

Sem poder se desfazer dele, carregar esse corpo

Carregar esse corpo, sem poder perdê-lo nem abraçá-lo,

Carregar o corpo, carregar esse corpo.